nitratos da cinemateca brasileira

A coleção de nitratos contempla filmes produzidos entre as décadas de 1910 e 1950. Entre 2022 e 2024, por meio do patrocínio do Instituto Cultural Vale e da SHELL, o projeto Nitratos da Cinemateca Brasileira – Preservação e Acesso permitiu a revisão técnica, a catalogação e a duplicação da coleção mais antiga de filmes do cinema brasileiro.

Entre as obras recuperadas pelo projeto e disponíveis agora no BCC estão as raridades como trecho de Barulho na Universidade (1943), filme de Watson Macedo dado como perdido; Ceremônias e Festa da Igreja em S. Maria, documentário mais antigo do acervo, filmado em 1909; Apuros de Genésio (1940).

 

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Na cinemateca imaginada por Paulo Emílio Sales Gomes, os filmes “perdidos para sempre” têm o seu lugar no conjunto da filmografia brasileira, pois também participam do tecido que constitui os “sentimentos culturais brasileiros”. Entre 2023 e 2024 esses sentimentos foram redivivos em obras até então ausentes para o entendimento da nossa cultura cinematográfica, mas que foram localizadas no Projeto Nitratos da Cinemateca Brasileira – Preservação e Acesso (Pronac 212939).

A iniciativa integra o Viva Cinemateca que reúne os grandes projetos da Cinemateca voltados à recuperação de importantes acervos, além da modernização de sua sede e infraestrutura técnica. Por meio da Lei de Incentivo à Cultura, o projeto, de cerca de R$ 17 milhões, contou com o patrocínio estratégico do Instituto Cultural Vale, com o patrocínio master da Shell, e o copatrocínio do Itaú Unibanco. Ao longo de 16 meses, foram executadas ações de pesquisa e catalogação, revisão técnica, duplicação fotoquímica e digital, por meio de um trabalho integrado entre as áreas de preservação, documentação, laboratório e difusão. O grande objetivo era liquidar o passivo de obras brasileiras sem duplicação, evitando perdas inestimáveis do ponto de vista histórico e artístico. Ao mesmo tempo realizar a digitalização de obras para acesso imediato do público.

Foram processadas mais de 1.700 obras relativas aos primeiros 60 anos do nosso cinema, num universo de mais de 3.500 materiais fílmicos. A lida com esses materiais evidenciou a característica fragmentária do acervo em nitrato. Apesar dos esforços para a recuperação desses títulos, certas ausências são sentidas em filmes catalogados como incompletos. Outras imprecisões, no entanto, são próprias do período silencioso, como a dificuldade em definir uma velocidade de projeção: mais dependente das circunstâncias da exibição do que de uma regulamentação pré-estabelecida, acarretando possíveis indefinições na duração de uma obra, ainda que completa. 

O sentimento de ser brasileiro é, também, das regionalidades, práticas e expectativas contempladas neste patrimônio audiovisual, que salvaguarda parte do que a sociedade brasileira filmou na primeira metade do século passado. Costumes, crenças e aspectos cotidianos nos centros brasileiros podem ser vistos em registros como Ceremônias e festa da Igreja em S. Maria estado R. G. do S. (1910) que, filmado em 1909, é a obra documental mais antiga no acervo da Cinemateca; Festa do Divino em Itapetininga (1920), que retrata a famosa festa popular folclórica e religiosa do interior paulista; Norte e nordeste: vistas variadas (1926-1935), que traz imagens de capitais como Salvador, Recife e Belém, com ênfase em sua produção econômica e aspectos urbanos; Passeio à Cachoeira Dourada (1924p), que nos apresenta o Rio Paranaíba, na divisa dos estados de Minas Gerais e Goiás, região que cedeu lugar a uma grande usina hidrelétrica; e Limites no Rio Branco (1946c), que mostra as expedições de demarcação de fronteiras na Amazônia, além de registros de diferentes povos indígenas.  

Algumas obras foram praticamente redescobertas para o público, como Apuros do Genésio (1940), um registro do multiartista Genésio Arruda, que traz uma peça de divulgação dos seus espetáculos; um trecho de Barulho na universidade (1943), primeiro filme do diretor Watson Macedo até então considerado totalmente perdido; um fragmento de Jangada (1949), filme inacabado livremente inspirado na história do cearense, líder jangadeiro e abolicionista “Dragão do Mar”; Maconha, erva maldita (1949), projeto inacabado de um filme policial de Raul Roulien; e Desvio (1953), drama ficcional não lançado à época da Coluna, companhia criada pela atriz, escritora e diretora de teatro Magdalena Nicol. 

A própria atividade cinematográfica e suas técnicas são observadas em filmes como A Cinelândia de Serrador no centro da Capital Federal (1929), que mostra a famosa Cinelândia carioca e o próprio empresário do espetáculo Francisco Serrador; Coisas nossas: producção brasileira (1931), promocional do primeiro longa-metragem brasileiro inteiramente sincronizado com o uso do sistema Vitaphone; e Fábrica de material bélico (1942), em que o próprio realizador Gilberto Rossi é pego iluminando as filmagens. Quanto à imprensa projetada, além dos conhecidos Cine Jornal Brasileiro e Cine Jornal Informativo, algumas raridades como: Atualidades O Globo. V2, N.002 (1942), produzido para exibições nas salas Cineac, dedicadas a filmes em curta-metragem; Imagens d'A Manhã. X-17 (1944), exemplo de como os cinejornais espelhavam suas contrapartes nos jornais impressos; e Filme Jornal. Ano Xo. N.40 (1945), rara edição completa da pioneira companhia A. Botelho Filmes.  

Já no campo das animações, destaque para Eugênio Marcus e suas publicidades em técnicas variadas como desenho 2D e stop motion, sonorizadas e até coloridas. Cenas da esfera pública podem ser vistas em títulos como Visita de Washington Luiz a Minas Gerais (1926), em que o presidente eleito mostra as homenagens obtidas da população mineira; e Fazenda “S. José” (1914), registro encomendado pela família da mecenas Olivia Guedes Penteado que, além de exibir cenas da vida privada, é colorido a partir de técnicas como tingimento e viragem – como Retribuição (1924), um dos 104 títulos nacionais com nitratos coloridos tratados pela Cinemateca. 

A Cinemateca leva adiante o legado de gerações, voltando a criar conhecimento e aprimorar a oferta do patrimônio audiovisual brasileiro para um público cada vez maior, por meio do Banco de Conteúdos Culturais. Com o Projeto Nitratos da Cinemateca Brasileira – preservação e acesso, o maior acervo de filmes da América do Sul é recolocado na rota do que uma cinemateca, sob condições justas e apropriadas, deve ser para toda a sociedade. O público pode acessar a cerca de 300 obras integrantes da coleção, que será regularmente atualizada com novos títulos, graças à infraestrutura técnica deixada pelo projeto.